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'Nativos digitais' não sabem buscar conhecimento na internet, diz OCDE

Sábado, 17 de Julho de 2021 | 12 min de leitura
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A familiaridade dos adolescentes atuais com a tecnologia, que faz deles nativos digitais, não os torna automaticamente habilitados para compreender, distinguir e usar de modo eficiente o conhecimento disponível na internet.

Pelo contrário, os dados sugerem que eles são, em grande parte, incapazes de compreender nuances ou ambiguidades em textos online, localizar materiais confiáveis em buscas de internet ou em conteúdo de e-mails e redes sociais, avaliar a credibilidade de fontes de informação ou mesmo distinguir fatos de opiniões.

As conclusões foram apresentadas pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) em seminário virtual na última quarta-feira (26/05), com base no relatório Leitores do Século 21 - Desenvolvendo Habilidades de Alfabetização em um Mundo Digital.

O relatório, divulgado no início do mês, mostra as habilidades de interpretação de texto dos alunos de 15 anos avaliados no Pisa, exame internacional aplicado pela OCDE em 2018 em estudantes de 79 países ou territórios, inclusive no Brasil.

Os dados são preocupantes: no Brasil, apenas um terço (33%) dos estudantes foi capaz de distinguir fatos de opiniões em uma das perguntas aplicadas no Pisa.

Na média dos países da OCDE, esse índice era de 47%. O que mostra que, mesmo no grupo de países mais desenvolvidos, mais da metade dos estudantes de 15 anos não demonstrou, em média, capacidade de fazer distinção entre fato e opinião.

Segundo o estudo, apenas metade dos estudantes em países da OCDE disseram ser ensinados na escola para reconhecer se a informação que estão lendo é enviesada, e 40% dos alunos nesses países foram incapazes de reconhecer os perigos de se clicar em links de e-mails de phishing, por exemplo.

As habilidades de navegação foram consideradas altamente eficientes para apenas 24% dos estudantes na média da OCDE, e para apenas 15% dos estudantes no Brasil.

As consequências disso são profundas para a inserção no mundo do trabalho e para o exercício da cidadania, uma vez que pessoas que não sejam capazes de compreender textos plenamente estarão, em teoria, menos aptas para ocupar empregos de alta complexidade - e, ao mesmo tempo, serão presas mais fáceis para o ambiente de desinformação que floresce na internet e nas redes sociais.

"Ter nascido na era digital e ser um nativo digital não significa que você vai ter habilidades digitais para usar a tecnologia de modo eficaz", afirmou no seminário Andreas Schleicher, diretor de educação da OCDE.

Os resultados também mostram que, apesar de sua crescente familiaridade com a tecnologia, os jovens não necessariamente aprendem instintivamente as habilidades necessárias para usar essa tecnologia para obter informações confiáveis.

De modo geral, o maior acesso a tecnologia entre os jovens nos últimos anos não se traduziu em mais educação midiática, disse Schleicher no seminário: os índices de alfabetização digital dos jovens evoluíram pouco nas avaliações do Pisa feitas entre 2000 e 2018, apesar das enormes mudanças sociais e digitais vividas pela comunidade global nesse intervalo de tempo.

Mais do que contato constante com a tecnologia, Schleicher defendeu que são a "aprendizagem tradicional" e o engajamento de professores que farão a diferença em dar aos alunos a capacidade de entender diferentes perspectivas em um texto e serem capazes de identificar nuances e opiniões.

O relatório mostra que, em sistemas educacionais nos quais essas habilidades digitais são ativamente ensinadas, estudantes pareceram mais capazes de distinguir fatos de opiniões.

Mas Schleicher destacou que é um problema que ultrapassa os muros da escola e exaltou o trabalho de países que já têm uma cultura mais enraizada de leitura e alfabetização, como Dinamarca, Finlândia, Estônia e Japão.

Ele ressalta, porém, que o tema exige muito mais estudos e discussões na sociedade. "Ainda não temos a resposta de por que alguns países se saem melhor" em alfabetização digital, afirmou.

O que se sabe é que o educador tem um papel central nisso, à medida que mudam as habilidades exigidas dos estudantes: no século 20, esperava-se que um aluno obtivesse conhecimento de fontes pré-curadas, como enciclopédias.

Hoje, ele precisa aprender a distinguir o que é relevante entre milhares de resultados de uma busca no Google; precisa ser capazes de construir conhecimento e validá-lo, opina a OCDE.

"Os educadores precisarão ser grandes mentores, mobilizadores e guias" nesse processo, afirmou Schleicher.

Embora a leitura esteja mais fragmentada e migrando cada vez mais ao ambiente virtual, o relatório da OCDE mostra que o papel dos livros e de textos aprofundados continua sendo primordial.

Os estudantes que disseram ler livros com mais frequência em papel do que nos meios digitais tiveram melhores resultados em leitura em todos os países e territórios que participaram do Pisa 2018. Além disso, esses jovens também relataram ter mais prazer com a leitura.

Na mesma linha, a leitura de livros de ficção e de textos longos também está positivamente associada a um melhor desempenho em leitura na maioria dos países avaliados.

O problema é que quase a metade dos estudantes (49%) nos países da OCDE disseram, na pesquisa aplicada junto ao Pisa 2018, que só liam "se tivessem que ler". E cerca de um terço dos estudantes pesquisados disseram que raramente ou nunca lia livros.

Nesse contexto, o incentivo a leituras de profundidade, que permitam aos alunos treinar a observação de nuances no texto, é uma estratégia capaz de melhorar as habilidades de compreensão textual tão valiosas no século 21.

É algo a que tanto professores quanto pais podem contribuir, diz a OCDE. Segundo o estudo, os estudantes que disseram ter pais que gostam de ler também apresentaram índices mais altos de prazer com a leitura.

Um ponto preocupante, disse Schleicher no seminário, é um aumento crescente no "abismo cultural" entre estudantes de classes sociais mais avantajadas e os mais pobres.

Enquanto entre os estudantes mais ricos o número de livros em casa se manteve estável entre 2000 e 2018, esse número caiu consideravelmente entre os estudantes mais pobres.

É um exemplo da importância de se combaterem as desigualdades educacionais.

"Nos acostumamos a tolerar as desigualdades e a ver parte dos estudantes ficando para trás", lamentou Schleicher.

Para o relatório da OCDE, a pandemia de covid-19, que fez com que parte significativa do processo educacional migrasse para a internet, "aumentou a urgência de se lidar com esse tema (da alfabetização digital). Também aumentou o ímpeto entre crianças, professores e formuladores de políticas públicas para apoiar (a formação) de leitores do século 21".

"Para muitas crianças em idade escolar e até mesmo professores, a desinformação nos tempos pré-pandemia talvez parecesse algo remoto, uma preocupação política de pouca relevância no pátio da escola ou na sala de professores. Hoje, a infodemia (como especialistas se referem à proliferação de falsas informações em grandes volumes, como ocorre em tempos de covid-19) e a incerteza sobre fatos científicos e de saúde básicos capturou o foco dos alunos de 15 anos - e seu anseio por soluções", prossegue o relatório da OCDE.

"Alfabetização no século 21 significa parar e olhar para os lados antes de seguir adiante online. Significa checar os fatos antes de basear suas opiniões nele. Significa fazer perguntas sobre as fontes de informação: quem escreveu isto? Quem fez este vídeo? É de uma fonte confiável? Ele faz sentido? Quais são os meus vieses? Tudo isso cabe ao currículo escolar e ao treinamento de professores. E tudo isso tem implicações que vão muito além de detectar notícias falsas e desinformação: assegurar o ato de tomada de decisões bem informadas e assegurar a base de democracias funcionais."

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Fonte: Correio Braziliense