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Radar usa o Sol para monitorar derretimento das camadas de geleiras

Segunda-Feira, 26 de Julho de 2021 | 8 min de leitura
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Com o mundo se aproximando de um aumento de temperatura de 3ºC em relação aos níveis pré-industriais, segundo o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), novas tecnologias que monitoram os efeitos do aquecimento global são cada vez mais necessárias. Agora, pesquisadores da Universidade de Stanford, nos EUA, desenvolveram uma alternativa mais barata, de baixo consumo de energia e de maior amplitude para acompanhar um dos mais graves problemas associados às alterações no clima: o derretimento de geleiras.

Em um estudo publicado na revista Geophysical Research Letters, glaciolosgistas e engenheiros elétricos demonstraram como sinais de rádio emitidos naturalmente pelo Sol podem ser transformados em um sistema de radar passivo para medir a profundidade das camadas de gelo. O método, testado com sucesso na Groenlândia, pode, segundo os cientistas, apresentar uma visão prolongada e em grande escala do derretimento dos mantos de gelo e das geleiras, que está entre as causas dominantes do aumento do nível do mar, ameaçando comunidades costeiras em todo o mundo.

Hoje, o principal meio de coleta de informações sobre a superfície polar, o radar de no gelo aerotransportado, envolve o voo de aviões contendo um sistema de alta potência que transmite o próprio sinal de radar através do manto gelado. Além de consumir muitos recursos, a tecnologia tem uma importante limitação: ela só fornece informações sobre as condições da geleira no momento do voo.
Por outro lado, a tecnologia dos pesquisadores de Stanford usa um receptor alimentado por bateria, com uma antena fixada no gelo, para detectar as ondas de rádio solares à medida que elas viajam para a Terra. Isso ocorre através do manto de gelo e para a subsuperfície. “Em outras palavras, em vez de transmitir o próprio sinal, o sistema usa ondas de rádio naturais que já estão vindo do Sol, um transmissor de energia nuclear no céu”, explica Sean Peter, pesquisador do Laboratório Lincoln, do Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT). “Se esse tipo de sistema fosse totalmente miniaturizado e implantado em extensas redes de sensores, ele ofereceria uma visão sem precedentes da evolução subterrânea das condições polares em rápida mudança da Terra.”

Peter, que começou essa pesquisa ainda como aluno de graduação da Universidade de Stanford, explica que o Sol é uma fonte gigante de energia eletromagnética caótica e aleatória, emitida por enormes bolas de gás que chegam à Terra em um amplo espectro de frequências de rádio. Nessa aleatoriedade, afirma, estão os ingredientes da ferramenta desenvolvida pelos cientistas para monitorar não só o gelo, mas as mudanças polares na Terra e em todo o Sistema Solar.

Os pesquisadores usaram o caos das ondas emitidas em frequências aleatórias a seu favor: eles gravaram um fragmento da radioatividade do Sol, que é, como explicam, como uma canção interminável que nunca se repete, e, então, ouviram aquela assinatura única no eco criado quando as ondas de rádio solar ricocheteavam no fundo de uma camada de gelo. Medir o atraso entre a gravação original e o eco permite calcular a distância entre o receptor da superfície e a base da placa de gelo e, portanto, sua espessura.

No teste realizado na geleira Store, no oeste da Groenlândia, os pesquisadores calcularam um tempo de retardo de eco de cerca de 11 microssegundos, que aponta para uma espessura de gelo de cerca de 900m — número que corresponde às medições do mesmo local registradas tanto no solo quanto no radar aéreo. “Uma coisa é fazer um monte de cálculos de matemática e física e se convencer de que algo deve ser possível. Outra é realmente ver um eco real do fundo de uma camada de gelo usando o Sol”, diz Dustin Schroeder, professor-assistente de geofísica na Escola de Ciências da Terra, Energia e Ambientais de Stanford.

A ideia de usar ondas de rádio passivas para coletar medições geofísicas da espessura do gelo foi inicialmente proposta pelo coautor do estudo Andrew Romero-Wolf, pesquisador do Laboratório de Propulsão a Jato da Agência Espacial Norte-Americana (Nasa), como forma de investigar as luas geladas de Júpiter. A certa altura, Romero-Wolf percebeu que, em vez de uma fraqueza, as emissões erráticas de rádio do planeta poderiam, na verdade, ser uma força se pudessem ser transformadas em uma fonte para sondar a subsuperfície das luas. “Começamos a discutir isso no contexto da lua de Júpiter, Europa, mas, então, percebemos que deveria funcionar também para observar as camadas de gelo da Terra se substituíssemos Júpiter pelo Sol”, disse Schroeder, em nota.

A partir daí, a equipe de pesquisa assumiu a tarefa de isolar as emissões de rádio do Sol para verificar se elas poderiam ser usadas para medir a espessura do gelo. O método consistia em trazer um subconjunto da banda de frequência de rádio de 200 a 400 megahertz acima do ruído de outros corpos celestes, processando grandes quantidades de dados e eliminando fontes de eletromagnetismo, como estações de TV, rádio FM e equipamentos eletrônicos.

Embora o sistema só funcione quando o Sol está acima do horizonte, a prova de conceito testada abre a possibilidade de adaptação a outras fontes de rádio naturais e feitas pelo homem no futuro. Os coautores pretendem, ainda, aplicar essa técnica a missões espaciais, aproveitando a energia ambiente emitida por outras fontes astronômicas, como o gigante gasoso Júpiter. “Ampliar as fronteiras da tecnologia de detecção para a pesquisa planetária nos permitiu expandir as fronteiras da tecnologia de detecção para mudanças climáticas”, diz Schroeder.


Fonte: Correio Braziliense